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Globalização e identidade cultural Maio 5, 2012

Posted by netodays in género, identidades.
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Sintetizamos sob o título acima dois temas que o teu manual aborda separadamente: (1) Género e Identidades Sociais e (2) Migrações, identidades e culturais e etnicidade. Começamos por distinguir sexo de género recorrendo a uma referência a Simone de Beauvoir:

    “A disputa durará enquanto os homens e as mulheres não se reconhecerem como semelhantes, isto é, enquanto se perpetuar a feminilidade como tal”, escrevia Beauvoir. Entendendo “feminilidade” como uma construção, a teorização de Beauvoir é levada a cabo a partir da dupla edificação deste conceito dentro do paradigma patriarcal – o “feminino” como essência e o “feminino” como código de regras comportamentais. Antecipando-se aos movimentos feministas, Beauvoir ditaria ainda aquela que viria a ser uma das pedras de toque teóricas para os estudos feministas de raiz anglo-americana: a apropriação da palavra “género”, para significar a construção social de uma diferença orientada em função da biologia, por oposição a “sexo”, que designaria somente a componente biológica. É a partir da frase já célebre de “O Segundo Sexo”: “On ne naît pas femme, on le devient” (“Não nascemos mulheres, tornamo-nos mulheres”), que teóricas feministas como Joan Scott, nos anos 80, irão reflectir sobre o estabelecimento da diferença entre “sexo” e género (“diferença sexual socialmente construída”), desafiando e questionando a noção de que a biologia é determinante para os papéis atribuídos às mulheres e de que existe uma “essência feminina”. Assim, dentro de um quadro conceptual feminista, a questão proposta por Beauvoir é crucial, visto denunciar o carácter eminentemente artificial da categoria “mulher”: um ser humano do sexo feminino “não nasce mulher”, antes “se torna mulher”, através da aprendizagem e repetição de gestos, posturas e expressões que lhe são transmitidos ao longo da vida.
    Recortado de Blogue Feminista

Por outras palavras, A identidade feminina é algo construído socialmente a partir de parâmetros culturais, inclusive relacionados com uma determinada ideia de sexualidade reduzida ao papel de reprodução, que constitui a socialização do género.

    Portanto, a mulher passa a existir a partir do outro, que é o homem, o que por si só enseja uma ideia de complemento. Se há algo certo na afirmação de Beauvoir de que ninguém nasce e sim torna-se mulher, decorre de que mulher é um termo em processo, um devir, um construir de que não se pode dizer com acerto que tenha uma origem ou um fim. Como uma prática discursiva contínua, o termo está aberto a intervenções e a significações (Butler, 2003:58/59).
    http://www.aps.pt/vicongresso/pdfs/708.pdf

Podemos observar algumas diferenças nas representações das identidades sociais de homens e mulheres partindo da entrevista que Jorge Rio Cardoso concedeu a um programa da TV para domésticas e reformados, promovendo o seu livro O Fim da Guerra dos Sexos. Eis as primeiras questões:

Ela- Porque é que os homens são tão piegas quando estão doentes?

Ele-Porque é que as mulheres vão as pares para a casa de banho?

Ela- Porque é que os homens só pensam em sexo?

Ele- Porque é que as mulheres são tão “sensíveis”?!

Ela- Porque é que os homens se esquecem sempre das datas importantes?

Ele- Porque é que as mulheres depois do casamento se desleixam?

NOTA: Efeito Coolidge (07:40) pode ser identificado para algumas espécies em laboratório. A frequência sexual de um hamster macho declina rapidamente quando ele dispõe de apenas uma fêmea: torna-se lento, pouco receptivo, e entediado. Porém, quando se introduz uma ou mais fêmeas, ele volta a apresentar um apetite reforçado (O Fim da Guerra dos Sexos, p. 96). Aproveita-se esta nota para observar o perigo de utilizar fenómenos biológicos para explicar fenómenos sociais. Naturalmente que esta transposição não seria aceite em Sociologia, que deve limitar-se a estudar os fenómenos sociais. Recorda-se que estamos perante representações sociais.
A origem do termo encontra-se associada a uma piada com o presidente americano Calvin Coolidge.

O tema da infidelidade conjugal não foi ainda, no nosso país, objecto de qualquer estudo de carácter científico. (…) Os resultados desta investigação confirmam, de uma maneira geral, a hipótese da dominância simbólica do género masculino já fundamentada em outros trabalhos.
Infidelidade Conjugal: Classe Social e Género

Já referimos noutros momentos que as raparigas conseguem mais frequentemente obter sucesso escolar. Observamos agora que os ganhos médios mensais dos trabalhadores femininos persistem abaixo masculinos.

Ganho médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem por sexo

Os países onde as mulheres têm um estatuto de maior paridade, também se observa um elevado desenvolvimento socioecónomico. É o caso da Suécia, Holanda, Dinamarca, Suiça e Finlândia, no topo do ranking do Índice de Iniquidade segundo o Género, do PNUD. http://hdr.undp.org/en/media/HDR_2011_EN_Table4.pdf

As mulheres portuguesas estão melhor que o país(!), pois Portugal têm uma melhor posição segundo este índice (19 em 2011) que pelo IDH (41 em 2011). Mesmo assim prevalece a associação das mulheres a certos sectores de actividade como o ensino e a saúde. Em determinadas situações da médica, e nos níveis mais baixos de ensino da professora, estes sectores parecem pertencer “naturalmente” à esfera feminina, porque os profissionais continuam a “cuidar” de alguém.

    A realidade social tradicional associa a noção de “cuidar” a conotações de serviços femininos, de vocação e de ocupação “natural” das mulheres, retirando, de algum modo, o sentido de profissionalismo, competência e autoridade, características ditas masculinas. A forma como os educadores de infância percepcionam a sua profissão pode traduzir as imagens sociais circunscritas numa envolvência que alguns autores denominam de “cultura do cuidar”(….)
    Assim, a interpretação de “cuidar”, como gestos e carinhos implicando um contacto corporal, levanta alguns problemas na competência destes profissionais. Bento (1994) enuncia esta questão caracterizando a relação pedagógica como demasiado emotiva para poder possuir um carácter profissional. Neste sentido, o autor defende que a ligação entre docentes e discentes não deve assentar em pressupostos de profunda afectividade, que prejudicará a lógica da profissionalidade, e afectará a “relação de parceiros”, que presume a existência de regras e obrigações sociais e profissionais das duas partes.
    http://www.aps.pt/vicongresso/pdfs/174.pdf


A sociedade portuguesa moderna tornou-se multicultural em resultado da imigração relativamente recente, que se verificou em Portugal, mais tarde que nos seus parceiros europeus. Estes abriram as portas à imigração no post-II Guerra Mundial, para o trabalho de reconstrução da Europa, nos gloriosos 30 anos dourados – 1945-1973, não sei porque é que dizem 30 😉 -, até ao primeiro choque petrolífero.

    O processo de descolonização, que causou a primeira grande vaga de imigração das antigas colónias para a metrópole, começou em Portugal mais de uma década depois das outras nações europeias com passado imperial. Como a independência das colónias portuguesas em África não pode ser separada da queda do regime autoritário de Salazar/Caetano, o primeiro número significativo de imigrantes chegou no ponto de viragem da história do Portugal moderno, quando a sociedade começou a viver uma mudança fundamental no campo político, social e demográfico. Além disso, em 1974, a maioria dos Estados de acolhimento europeus tinham já deixado de aceitar mais imigração laboral devido ao declínio das suas economias. António Barreto

    No século XX, até à década de 60, Portugal foi um país de índole predominantemente  migratória,  onde os fluxos migratórios registavam um saldo claramente negativo. 
    Com a revolução de  25 de Abril de 1974 e a independência dos actuais países africanos de língua portuguesa esta realidade alterou-se profundamente e, no início da década de 80, verificou-se um aumento exponencial e atípico do número de estrangeiros residentes em Portugal. Os anos 90 caracterizam-se pela consolidação e crescimento da população estrangeira residente, com destaque para as comunidades oriundas dos países africanos de expressão portuguesa e do Brasil. 
    No início do século XXI, novos fluxos do leste europeu assumiram um súbito e inesperado destaque, em especial no caso da Ucrânia, país que rapidamente se tornou numa das comunidades estrangeiras mais representativas. Em síntese, a primeira década do presente século caracteriza-se por um crescimento sustentado da comunidade estrangeira residente no país.
    No final de 2010, a população estrangeira residente em Portugal totalizava  445.262 cidadãos, quantitativo que representa um decréscimo do stock da população residente de 1.97%, face ao ano precedente. Deste universo populacional, cerca de metade é oriundo de países de língua portuguesa (49,51%), destacando-se o Brasil (26,81%), Cabo Verde (9,88%), Angola (5,28%) e Guiné-Bissau (4,45%). As demais nacionalidades mais relevantes são a Ucrânia (11,12%) e a Roménia (8,27%). http://sefstat.sef.pt/Docs/Rifa_2010.pdf

Registe-se que a partir de 1995/97 o número de imigrantes terá ultrapassado o de emigrantes, transformando uma sociedade relativamente homogénea numa sociedade multicultural, onde em menos de 10 anos a população estrangeira chegou a 4% do total (António Barreto, p. 9).

Quando  duas ou mais culturas diferentes, entrando em contacto contínuo, originam mudanças importantes em uma delas ou em ambas, fenómeno conhecido por aculturação. O etnocentrismo explicará por que razão inicialmente terão acreditado que os muçulmanos um dia deixariam de o ser, abdicando da sua etnicidade, isto é, trocando os elementos constitutivos da sua cultura pelos da cultura local, como quem troca de casaco. Naturalmente que esta assimilação completa da cultura portuguesa falhou:

    Os primeiros conceitos respectivos apostaram na assimilação — um segundo cálculo errado, como sabemos hoje. As sociedades dominantes partiram do pressuposto de que as diferenças culturais desapareceriam gradualmente de geração para geração. Uma vez que as abordagens académicas europeias na década de 1970 (em certos casos até à década de 1980) haviam sido muito influenciadas pelas ideias laicas, o factor islâmico importado não estimulava muito interesse. Muitos académicos calculavam que os muçulmanos iriam viver a sua fé num nicho fora da vista pública (Nielsen, 1992) ou perdê-la (Kettani, 1996). Mas isto não aconteceu  (…) Novidades no terreno: muçulmanos na Europa e o caso português

Retomando o texto noutro ponto podemos conferir que a integração da comunidade muçulmana na sociedade portuguesa decorreu tranquilamente:

    Um dos factores que, de uma maneira positiva, criaram/providenciaram o silêncio (em contraste com a polémica) foi o potencial, a capacidade notável, que a classe média muçulmana em Portugal mostrou nos processos de integração. Esta elite de primeiros imigrantes possuía as capacidades intelectuais e sociais, bem como as relações diplomáticas, necessárias à construção de uma infra-estrutura religiosa e cultural. Desde o início, os primeiros a chegarem tomaram parte nas comissões dirigentes da comunidade islâmica, enquanto, ao mesmo tempo, se integravam com êxito em profissões de alto nível e faziam amigos íntimos entre a elite política portuguesa (ibidem).

  1. Refere algumas representações das identidades sociais que nos permitem distinguir os géneros.
  2. Explica porque é que o efeito Coolidge não pode ser transposto parra a sociedade humana.
  3. Relaciona o desenvolvimento económico e a globalização com os fenómenos migratórios.
  4. Refere problemas de integração dos migrantes (culturais e sociais)

Recursos

Índice de Iniquidade segundo o Género, do PNUD

Equidade de Género, vídeo da OCDE

Recursos no Arquivo: Representações da Mulher

Escola Maio 4, 2012

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    A educação é a acção exercida pelas gerações adultas sobre as que ainda não se encontram amadurecidas para a vida social. Ela tem por objectivo suscitar e desenvolver na criança um certo número de condições físicas, intelectuais e morais que dela reclamam, seja a sociedade política, no seu conjunto, seja o meio especial a que ela se destina particularmente (Durkheim, 2001, p. 13).
    Cada profissão, com efeito, constitui um meio sui generis que requer aptidões particulares e conhecimentos específicos, nos quais imperem certas ideias, determinados usos, diferentes maneiras de encarar as coisas; e uma vez que a criança deve ser preparada com vista à função que será chamada a preencher, a educação, a partir de certa idade, não pode continuar a ser a mesma para todos os sujeitos a que é aplicada. É por isso que, em todos os países civilizados, nós verificamos que ela tende progressivamente a diversificar-se e a especializar-se; e essa especialização cada dia se torna mais precoce. A heterogeneidade que desta forma se produz, não se fundamenta em desigualdades iníquas, mas a desigualdade nem por isso é menor (Durkheim, 2001, p. 11).

Encontra-se subjacente a toda a política educativa o “princípio da igualdade de oportunidades”:

Mas quando passamos aos alunos concretos o Ministério da Educação reconhece problemas, designadamente:

    […] jovens em que foram detectadas características comportamentais e de aprendizagem muito problemáticas e que correm o risco de abandono da escolaridade obrigatória por várias razões (familiares, económicas, psicológicas — falta de motivação pessoal, etc.). ibidem

A educação dos nossos filhos não deveria depender das circunstâncias ocasionais que os obrigam a nascer aqui ou além, destes pais em vez daqueles. Se a carreira de cada criança, deixasse de ser, em grande parte, predeterminada por uma hereditariedade cega, o discurso não soaria tão vazio quando se fala em valorizar o mérito. Não iremos desenvolver este tópico porque já se abordou a reprodução social num post específico.

O mérito escolar é frequentemente avaliado. Cada aluno tem geralmente dois testes escritos por disciplina em cada período lectivo, o que marca a importância da educação formal. Mas não aprende apenas conteúdos disciplinares, também lhe inculcam regras de bom comportamento, a necessidade de respeitar outros, trabalhar em equipa, cumprir prazos, ser assíduo e pontual. Estes aspectos são o objecto da socialização informal.

De 1835 a 2009 a escolaridade obrigatória em Portugal passou da instrução primária ao 12º ano, nos termos da lei, mas o acesso efectivo à instrução é uma realidade diferente.

Dos anos 1920 a 1950, o saber mais valorizado foi o saber das humanidades e das línguas clássicas. Nele não havia qualquer tipo de valor comercial ou industrial. Representava o saber na sua pureza original. Ou, por outras palavras, representava o prazer consagrado por um indivíduo singular para o produzir, ou para o divulgar, junto dos seus apreciadores – os cultores desinteressados. (…) Este conhecimento detinha um valor tão grande, que tinha conseguido resistir ao tempo, mantendo-se na crista da onda da civilização,mesmo quando desafiado pelo saber moderno ou saber técnico. (…) Este saber perdeu alguma importância (apesar de humanidades continuar presente no cardápio escolar) com o tempo, tendo sido substituído por um saber mais operativo, mais utilitário, quer da tecnologia, quer da comunicação oral e escrita (Resende, 2003, p. 1043).

Não devemos simplesmente imaginar qualquer decadência de então para cá, pois além da “pureza original” do ensino, que seria mais adequadamente referida como motivação intelectual (Barrère), certamente que hoje se verifica uma maior procura da escola com motivação instrumental (Barrère), pois os estudantes têm consciência de que o seu nível de rendimento se encontra correlacionado com a escolaridade:

Assim, na perspectiva do rendimento futuro, vão suportando alguns sabores amargos como descreveu Perrenoud em “ofício de aluno”. Mas já em 1936 Malpique descrevia os estudantes do mesmo modo:

    A nota é uma coisa que os mestres dão e os alunos recebem,trementes, porque dela depende a sua vida escolar. E daí o ardor da conquista à nota, em que o aluno emprega todas as boas e malas-artes. O aluno não procura saber, saber de verdade; procura “apanhar” ou “tirar” (termos significativos) boas notas, ou pelo menos a tangente que lhe permita sair ileso da refrega. (…)
    O papel do professor não é dar notas nesse livrinho sebáceo. O seu papel é muito outro; criar o gosto, um irresistível gosto, pelas coisas do espírito, que o resto irá por si. Junto dos seus alunos será sempre um camarada mais velho, risonho, espevitador de ideias e nunca um catedrático ridiculamente inacessível, receando, no fundo, que lhe descortinem o caruncho. (…)
    No dia em que a nota deixar de ser a obcecação do professor e der lugar a outra obcecação mais generosa, a de bem servir a inteligência do aluno, despertando nele a ardente sede de conhecer, fazendo-o vibrar na contemplação dum grande espectáculo da natureza, duma grande obra de arte científica, duma grande obra literária, duma obra social, – nesse dia, será o próprio aluno a tomar a nota por coisa secundária, porque ideais mais elevados lhe encherão a vida.
    Enquanto, porém, tudo continuar como dantes, o ensino livresco e rançosamente memorialista, num campeonato do verbalismo hediondo, onde as palavras não são o rótulo duma experiência palpitantemente vivida, sempre a nota será exclusiva preocupação do aluno e dos papás do aluno, que, regra geral, não curam de saber se o ensino é perfeito, mas se o professor é benevolente. A passagem do filho, eis a questão, e daí a solicitude criminosa com que pretendem subornar o professor (Malpique, 1936, in Resende, 2003, p. 426).

Não se pode generalizar o que atrás se disse a todos os estudantes e pais, uma vez que muitos terão um interesse genuíno na educação. O mesmo sucede com as representações contraditórias do trabalho dos docentes. Resende cita Oliveira que já em 1930 refere professores que se sacrificam pelo ensino em contraste com os mercenários do ensino:

    Na numerosa classe do professorado, de todo o professorado português, há os que se devotam à profissão, vivendo para ela, sacrificando-se por ela, trabalhando muitas vezes numa obscuridade ingrata, tendo como recompensa quase única a satisfação da sua consciência – os que logram mercê do seu talento e brilhantes qualidades docentes, ver coroado de grande êxito o seu labor; os que mais modestos, nem por isso deixam de pôr todo o seu esforço no cumprimento da sua missão, e que moralmente não valem menos do que os seus colegas mais distintos. Mas há também os mercenários do ensino, aqueles que se poupam ao trabalho como algum merceeiro que roube no peso, os que à escola apenas dão a sua presença, o vulto do seu corpo, para evitarem descontos no ordenado, mas lhe negam a sua alma, o seu amor, a sua dedicação (Oliveira, 1930, in Resende, 2003, p. 426).

Dada a pluralidade de formas de estar na docência, não haverá propriamente um método pedagógico, mas retoma-se Malpique (1940) para identificar o método socrático e o motivo da indisciplina:

    O grande método, porém, no ensino médio, e natural complemento do expositivo, é a maiêutica, arte de partejar os espíritos, praticada por Sócrates no seu ensino deambulado ou peripatético. Sócrates possui, como ninguém, a arte de interrogar. Dentro das possibilidades intelectuais do interrogando, sabia ele encaminhar de modo tão hábil o interrogatório, que conseguia obter respostas com que o próprio interrogado ficava surpreendido, mal suspeitando dos recursos latentes que em si possuía. Quase conseguia o milagre de do nada tirar alguma coisa. (…)
    Quem observa, experimenta, reflecte e raciocina é o aluno, espevitado pelo professor. O educando é uma curiosidade permanentemente despertada pelo mestre, e aquele em vez de ser reduzido ao papel de simples e passivo alimentado com substância mastigada por outrem, ele próprio procura com apetite os alimentos que há-de alimentar. (…)
    Não interroga quem quer, mas quem sabe, e ensina bem quem souber interrogar bem. Uma aula dada por um mestre com o dom de interrogar é alfobre criador. A crepitação das perguntas lançadas impessoalmente sobre toda a turma, obrigando todos os alunos a pensar nas respectivas respostas – respostas que, afinal, virão a ser dadas por alunos especialmente indicados pelo mestre – essa crepitação, dizíamos, afasta dos alunos toda a ideia de indisciplina, – indisciplina que só aparece quando a aula é puro artifício (Malpique, 1940, in Resende, 2003, p. 427).

A escolarização é frequentemente referida como uma das conquistas do 25/ABR/74.

    A universalização do direito à educação constitui um das concretizações mais significativas resultantes da modernização das sociedades, sendo hoje a liberdade para aprender, enquanto expressão do desejo de elevação pessoal, vista como um elemento fundamental na concretização dos direitos cívicos e políticos. Os benefícios globais para as sociedades e os indivíduos que com ele foi possível obter estão hoje, apesar das resistências à sua implementação ao longo quase dois séculos, socialmente interiorizados e a escolaridade constitui um elemento integrante do quotidiano e cada vez mais do futuro dos indivíduos.
    A profunda transformação da estrutura de qualificações da sociedade portuguesa, iniciada há cerca de 35 anos e claramente acelerada nas duas últimas décadas, trouxe para o debate público expressões como democratização, massificação, desqualificação dos diplomas ou liberdade de educação. A novidade da quase universalização da escolaridade básica, já concretizada há décadas no resto da Europa, tem dado origem a uma vaga de críticas ao sistema educativo, genericamente centradas na ideia de uma profunda degradação do ensino público e no decréscimo “evidente” das capacidades e competências dos alunos alvos da formação. É interessante, e em parte paradoxal, que no momento em que após um penoso caminho de cerca de dois séculos finalmente se atinge um dos objectivos políticos mais vezes reiterados, o da universalização do ensino básico, se questione declaradamente essa realização.
    A democratização do ensino em Portugal
    A escolaridade universalizou-se. O analfabetismo juvenil terminou, sobrando apenas alguns analfabetos adultos e idosos. Dos quase 40 por cento de analfabetos de 1960, passou-se para uma taxa próxima dos 8 por cento. A expansão do sistema escolar atingiu grandes proporções, tendo chegado pela primeira vez da história a todo o território e a toda a população (António Barreto).

Observe-se que o ensino secundário até ao 25 de Abril era residual (38.898 estudantes em 1974), tendo então disparado até atingir o ponto máximo em 1996 (416.309 estudantes).

Para responder a este crescimento explosivo da procura alargaram-se a um ritmo particularmente acelerado as vagas nos quadros de professores do 3º Ciclo e do Ensino Secundário, movimento que foi acompanhado pela feminização do ensino..

Além de Portugal, só prolongaram a escolaridade obrigatória até aos 18 anos a Hungria e a Holanda. (Conferir documento no Eurydice)

Porém, observando a proporção da população no grupo etário dos 20-24 anos que não completou o ensino secundário, verificamos que nos encontramos na cauda da Europa.

As comparações internacionais colocam-nos sistematicamente na cauda da OCDE, tanto ao nível da leitura como da matemática.

http://dx.doi.org/10.1787/888932506476

Se for incluída a população com idade mais avançada, os indicadores de literacia dos portugueses pioram bastante. Comparando Portugal com a Suécia, Sandra Fisher-Martins explica que “vivemos num apartheid da informação” (03:11), mostrando de forma divertida as consequências trágicas de não se perceberem os documentos públicos para o desenvolvimento social.

Os alunos que actualmente frequentam o ensino secundário já tiveram aulas de TIC, além do conhecimento que terão adquirido com a família e os amigos. Espera-os um ensino universitário onde é suposto dominar esta nova linguagem.

Segundo uma infografia do Mashable Tech os estudantes universitários de hoje têm mais conhecimento sobre tecnologia do que nunca. Mais de 90% utilizam e-mail para comunicar com os professores e 73% dizem que não podem estudar sem tecnologia. Sete em cada 10 tomam notas em teclados, em vez de papel. Curiosamente, os que vivem em comunidades de estudantes não confiam tanto nas ferramentas digitais; os estudantes dos primeiros anos e os mais novos têm ligações à Internet mais rápidas; os estudantes universitários desligam-se da tecnologia quando estudam para os exames finais na biblioteca. Este último aspecto evidencia bem o desajustamento dos métodos de ensino ao quotidiano dos estudantes.

Para aqueles que não entendem o que lêem a sociedade da informação não passará de uma miragem. Perrenoud defende que compete à escola dotar as crianças dos recursos intelectuais clássicos, aqueles que “fazem a diferença” em numerosas tarefas escolares: a lógica natural, a escrita e a leitura, acrescentando a capacidade para descodificar mensagens audiovisuais. Sem este domínio, “Quando vos disserem NTIC, pensem NTIC: Novos Tipos de Inequidades Culturais!”, conclui.

Num post com 1000 palavras, pretende-se que tenha em consideração os seguintes objectivos:

– Caracterizar as funções da escola (socialização formal / socialização informal)
– Explicitar em que consistiu a massificação da escola
– Relacionar a escola com a reprodução das desigualdades sociais
– Contextualizar a expansão da escolaridade obrigatória em Portugal
– Referir as novas funções da escola na sociedade do conhecimento (Educação ao longo da vida)
– Referência crítica a alguns pontos desenvolvidos no post

Recursos

Ciberdemocratização – As inequidades reais resultantes do Mundo virtual da Internet

Estereótipos Tradicionais Permanecem o Desafio Principal para a Igualdade de Género na Educação

A endogamia ainda é um problema, nas nossas universidades?

Key Data on Education in Europe, 2012

OECD Factbook 2011-2012

A Escola Informada: aprender na Sociedade da Informação (Capítulo 4 do Livro Verde)

Os alunos portugueses conseguem tirar cursos superiores sem saber escrever

Investir na qualificação para aumentar o emprego e o crescimento – OCDE

Infografia do Mashable Tech: Como a tecnologia está a mudar o ensino superior

A escola e as questões do género: Com a preocupação recorrente e meritória dos sucessivos governos em promover a generalização do acesso à escola às classes que tradicionalmente lhe fugiam, em contrariar o abandono escolar precoce dos alunos provenientes de famílias socialmente menos favorecidas (…) constata-se uma inesperada reviravolta. As raparigas entram em força (e com sucesso) em todos os patamares académicos. (Ana Nunes Almeida)

21 Things That Will Become Obsolete in Education by 2020

E se, em vez de ir à escola, o seu filho estudar em casa?

Escola Google sem computadores

Mais recursos no Arquivo

O Fim da História! Os novos movimentos sociais Maio 2, 2012

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Em 1989 caiu o Muro de Berlim. Em 1991 dissolveu-se a ex-União Soviética. Estes acontecimentos são geralmente os marcos do fim da Guerra Fria, tempo de luta aberta entre duas super-potências (EUA e URSS), representando regimes económicos antagónicos (capitalismo e socialismo) e sistemas políticos opostos (democracia representativa pluripartidária versus ditadura do proletariado).

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Cold_War_Map_1980.svg O Mundo era fácil de entender nesta perspectiva dualista de duas super-potências que repartiam entre si o Mundo em esferas de influência para evitarem o confronto directo que significaria o fim da Humanidade, pois qualquer delas dispunha de arsenal nuclear suficiente para destruir o Planeta várias vezes, num equilíbrio de terror que evitou que se passasse à guerra a quente.

Francis Fukuyama defende que com a queda do comunismo, a história chegou ao fim, na medida em que não podemos antever nenhuma forma de sociedade que possa suplantar o capitalismo ocidental (Giddens, 2001, p. 703).

Karl Marx estava certo quando afirmou que “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem…”, pois contrariamente às suas previsões não surgiram por todo o Mundo “ditaduras do proletariado constituindo-se na transição para atingir uma sociedade sem classes”. Os ideais comunistas são muito estimáveis, e fazem-nos sonhar com justiça: “De cada um, de acordo com suas habilidades, a cada um, de acordo com suas necessidades”. Porém, as concretizações históricas destes ideais deixaram as populações muito aquém do esperado, e quando com o desenvolvimento das comunicações podiam observar nas TV’s o maior bem-estar das sociedades capitalistas, não haviam dúvidas, “Os trabalhadores não tinham nada a perder com a revolução capitalista (“comunista” no texto de Marx), a não ser suas correntes”.
http://pt.wikiquote.org/wiki/Karl_Marx

    Tal como explicou Alain Touraine, a noção de movimento social implica o objectivo de transformação das relações sociais de dominação, e não apenas a modificação do sistema de decisão (caso em que se deve apenas falar de lutas) ou tão-só a sua rectificação (caso da ocorrência de simples comportamentos colectivos).
    Manuel Braga da Cruz

Perdida a referência à luta de classes na perspectiva marxista, as lutas dos novos movimentos sociais desenvolvem-se em áreas diversificadas: ecologistas, feministas, defensores dos direitos humanos, etc.

Giddens define movimentos sociais como uma tentativa colectiva para promover o interesse comum ou alcançar um objectivo comum, através da acção colectiva fora da esfera das instituições estabelecidas (2001, p. 606) e apresenta a classificação de movimentos sociais de David Aberle:

movimentos de transformação visam mudanças de grande alcance, cataclísmicas e muitas vezes violentas das sociedades. Exemplos: movimentos revolucionários ou alguns movimentos religiosos radicais;

movimentos reformadores aspiram alterar algumas das características da ordem social existente. Exemplo: grupos anti-aborto;

movimentos redentores procuram salvar as pessoas de estilos de vida tidos por corruptos. Exemplo: seitas Pentecostais (protestantes);

movimentos de alteração procuram promover uma mudança parcial nos indivíduos. Exemplo: Alcoólicos Anónimos.

Os novos movimentos sociais podem ser responsáveis pela realização de acções de contestação à escala global, simultaneamente em vários países (locais) do Mundo, aquilo a que podemos chamar eventos glocais:

Segundo Inês Pereira, MayDay MayDay em toda a parte, De olhos postos em Lisboa – Cimeira Alternativa Europa-Africa e Viajando para a Euopa – o Forum Social Europeu de Atenas, foram os primeiros eventos glocais realizados em Lisboa.

    Segundo Claus Offe, os novos movimentos sociais «partem do facto de que não podem resolver-se, numa perspectiva prometedora e coerente, os conflitos e as contradições da sociedade industrial avançada por meio do estatismo, a regulação política». Eles pretendem, ao contrário, reconstituir «uma sociedade civil que já não depende de uma regulação, controle e intervenção cada vez maiores. Para poder emancipar-se do Estado há que politizar-se a mesma sociedade civil». Tais movimentos «politizam questões que não podem ser facilmente «codificadas» com o código binário do universo de acção social que subjaz à teoria política liberal». Na relação privado-público procuram encontrar uma «terceira categoria intermédia». Necessário será ter presente que «o campo de acção dos novos movimentos sociais é um espaço de política não institucional cuja existência não está prevista nas doutrinas nem na prática da democracia liberal e do Estado de bem-estar». Nestas zonas intersticiais tendem a ser desencadeados movimentos fortemente politizados de acção que, por vezes, se querem não políticos. A emergência, em diversos domínios da sociedade, de novos movimentos sociais tem, por isso, a ver com a crise do Estado-providência, ou Estado social, e com o facto de o movimento operário ter deixado de ser o principal actor colectivo com expressão política.

    (…)

    Os conflitos têm-se transferido progressivamente para o campo da cultura, porque domínio próprio das identidades e do direito à diferença. Está a ocorrer, de facto, nas sociedades ocidentais uma mudança profunda derivada do processo de pós-industrialização em curso, dando origem a outros sistemas de valores estruturantes das consciências e das identidades dos indivíduos e dos grupos. A era dos movimentos laborais parece ter chegado ao seu fim. Os movimentos sociais actuais, criados sobretudo a partir da década de 60, são novos, antes de mais, porque abandonaram os processos operários na sua luta pela mudança da sociedade. Traduzem a passagem da sociedade industrial à sociedade pós-industrial e a passagem das lutas laborais às lutas sociais e culturais. Deixaram, por outro lado, de ser movimentos de uma classe para se tornarem movimentos de classes. Sendo isso verdade, os novos movimentos sociais são essencialmente lutas pela afirmação da identidade ou da qualidade de vida. A transferência do foco conflitual da esfera laborai para a área da cultura, da gestão da sociedade para a sua produção, do controle do presente para a orientação da sua acção histórica, lugares onde se constituem os principais núcleos de antagonismo, origina ou potência, na verdade, novas modalidades de movimentos sociais. Esta conflitualidade tende a despoletar-se e a desenvolver-se com a descontinuidade dos tempos e dos ritmos de mudança nas diversas instituições sociais. A mudança é hoje mais acelerada nas instituições produtoras de conhecimento e detentoras do poder político. Nas zonas intersticiais criadas pela desigualdade de tempos e de ritmos de mudança abrem-se normalmente crises que exigem, em consequência, contínuos reajustamentos. Assiste-se, de facto, actualmente ao ruir de algumas estruturas e ao esboçar de novos sistemas com diferentes regras de jogo, e todo este movimento põe em acção um processo de desestruturação e de reestruturação da sociedade.
    Conflitualidade e movimentos sociais

Os movimentos sociais têm um duplo interesse para a Sociologia. Fornecem matéria para estudos, mas mais do que isso, podem ajudar os sociólogos a determinar as áreas a analisar. Giddens explica que o movimento das mulheres contribuiu para a identificação fraquezas no pensamento sociológico e para o desenvolvimento de conceitos que ajudaram a entender as questões do género e do poder.

1. Explique porque será tão difuso o conceito de movimentos sociais.

2. Apresente novos exemplos de movimentos sociais, integrando-os na classificação de Aberle.

3. Explicite o papel dos novos movimentos sociais na mudança social (designadamente de estilos de vida).

4. Comente a eficácia da acção dos novos movimentos sociais na área do Ambiente.

Recursos

Imagens da degradação dos políticos

A emergência dos weblogs enquanto novos actores sociais

Movimento 12 de Março – Nasceu das manifestações da “geração enrascada”

www.alternativaportugal.org – Princípio 5. A Alternativa Portugal não tem dúvidas ao considerar que o actual sistema partidocrático apresenta gravíssimas limitações e contradições e que por isso não serve os interesses do povo português. A Alternativa Portugal actuará em defesa da sociedade civil face ao monopólio dos partidos e dos seus meios de controlo da opinião pública — sistema eleitoral, meios de comunicação social, predomínio das elites dos partidos políticos, exclusividade da representação política dos partidos nos principais órgãos de decisão e alternância no poder, meios de financiamento partidário, subvenções públicas e distribuição de cargos públicos —, incentivando o aparecimento de novas formas de representação e intervenção política. (…)

www.quercus.pt – Associação Nacional de Conservação da Natureza

Elites e Movimentos Sociais – Apresentação no SCRIBD