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Moralidade e Valores Sociais na perspectiva de Émile Durkheim Abril 15, 2012

Posted by netodays in Durkheim, moralidade, Valores.
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Interrogarmo-nos sobre quais os elementos da moralidade não significa elaborar uma lista completa de todas as suas virtudes, nem sequer das mais importantes; significa procurarmos as disposições fundamentais, os estados de espírito que constituem a raiz da vida moral. (…) Os moralistas partem do princípio que cada um de nós trás tudo o que à moral é essencial. (…) Tudo quanto o moralista pode afirmar, após se haver interrogado, é a maneira segundo a qual ele concebe a moral, é a ideia que dela faz pessoalmente. Mas, por que motivo, a ideia que ele faz dela seria mais objectiva do que a ideia objectiva que o vulgo tem acerca do calor, da luz ou da electricidade? Admitamos que a moral reside integralmente imanente em cada consciência. Falta ainda descobri-la. Falta ainda descobrir, dentre todas as ideias que em nós se encerram, quais as que são de competência moral e quais as que não o são (Durkheim, 2001. p. 94-95).

Há uma característica comum a todas as acções que vulgarmente denominamos morais: é agirmos de conformidade com regras preestabelecidas. Comportarmo-nos moralmente, é agirmos em determinado caso, antes mesmo de termos sido solicitados a tomar uma resolução. O domínio da moral é domínio do dever, e o dever é uma acção prescrita (Durkheim, 2001, p. 96).

As sensações, as apetências físicas, limitam-se a exprimir o estado do corpo, não as ideias puras e os sentimentos complexos. Sobre essas forças eminentemente espirituais, só um poder, igualmente espiritual, será capaz de actuar. Esse poder espiritual é a autoridade, inerente às regras morais.

Graças a esta autoridade, as regras morais são autênticas forças contra as quais vêm embater os nossos desejos, as nossas carências, as nossas apetências de toda a ordem. (…) Essas forças têm em si tudo o que é preciso para obrigar a vergar as vontades, a constrangê-las, a sustê-las, a incliná-las neste ou naquele sentido. Logo, podemos afirmar, sem recorrermos a uma metáfora, que elas são “forças”. (…) Quando o homem, sensatamente constituído, procura cometer algum acto que ofende a moral, sente qualquer coisa que o detém (Durkheim, 2001, p. 112).

Os fins pessoais, em si mesmos, são de duas espécies: (1) ou procuramos, pura e simplesmente, manter-nos vivos, conservarmos o nosso ser, colocá-lo ao abrigo de causas destruidoras que o ameaçam; ou (2) procuramos engrandecê-lo e desenvolvê-lo. Ponto (1). Os actos que praticamos com a única e simples finalidade de mantermos a nossa existência, podem, seguramente, não ser de forma alguma reprováveis; mas é incontestável que, aos olhos da consciência pública, eles se apresentam, como sempre se apresentaram, despidos de qualquer valor moral. São moralmente neutros. Nós não dizemos que alguém se comporta moralmente quando cuida de si, quando pratica uma higiene sã, e isso com a finalidade de viver. Achamos o seu comportamento avisado, prudente, mas não consideramos aplicar-lhe qualquer qualificação moral. Nada existe de moral em viver por viver.

Ponto (2). Outro tanto não acontece, quando velamos pela nossa vida, não somente para nos conservarmos a nós mesmos, mas para podermos conservar-nos para a nossa família, visto sentirmos que lhe somos necessários. Então, o nosso acto é unanimemente considerado moral. A moralidade do acto reside na subordinação do indivíduo aos interesses da sociedade. (Durkheim, 2001, p. 124-125)

Se uma moral existe, ela deve necessariamente ligar o homem a objectivos que ultrapassem o âmbito dos interesses individuais. (…) Só a sociedade pode servir de objectivo à actividade moral (…) a sociedade é necessariamente útil ao indivíduo, devido aos serviços que lhe presta, e que, por tal motivo, ele deve querê-la já que nisso tem interesse. (…) O homem expõe-se tanto mais ao suicídio, quanto mais desligado estiver de qualquer colectividade. (…) Assim, o suicídio é cerca de três vezes mais frequente nos solteiros do que nos casados, duas vezes mais frequente nos estéreis que nos fecundos, aumentando inclusivamente na razão inversa do número de filhos (Durkheim, 2001, p. 132-134).

Família, pátria e humanidade. (…) O homem só será moralmente completo, quando submetido a esta tripla acção. Estes três grupos podem e devem coexistir em concorrência, mas existe uma hierarquia (Durkheim, 2001, p. 139).

“Não matarás!”, “não roubarás!”: estas máximas que os homens transmitem uns aos outros, de geração em de geração e através dos séculos, não possuem obviamente, em si mesmas, qualquer virtude mágica que as imponha ao respeito. Mas, sob máxima, existem sentimentos colectivos, estados de opinião de que ela é tão somente a expressão e que constituem a sua eficácia (Durkheim, 2001, p. 155).

Os animais não se encontram sujeitos a um sistema de sanções artificiais; eles formam-se pela acção dos acontecimentos, e outras lições não recebem que não seja a da sua experiência. Enquanto viva a sua existência “animal”, a criança não precisa de disciplina. Submetê-la a uma acção coerciva, seria violar a ordem da natureza (Durkheim, 2001, p. 219).

O critério que serve para os homens, em última análise, julgarem a sua conduta, é a felicidade ou infelicidade que essa mesma conduta produz. (…) Estamos muito mais seguros de nos conduzirmos convenientemente na vida, quando compreendemos as boas e más consequências da nossa acção, do que quando nos limitamos a acreditar na autoridade dos outros (Durkheim, 2001, p. 220).

Uma criança que comeu demais, tem uma indigestão. Aprende com o sofrimento. Um adulto que não pagou os impostos, tem uma insónia se for moralmente bem formado, porque a sua atitude prejudica a sociedade. O universo é uno. A actividade moral tem por objecto entidades indubitavelmente superiores ao indivíduo, mas empíricas, do mesmo modo que os minerais e os seres vivos: as sociedades. Cada sociedade transmite às suas crianças um sistema de regras de moral, exteriores à consciência dos indivíduos. Os valores sociais são concepções gerais – princípios, crenças e conhecimentos colectivos – que mantêm a coesão social na medida em que são compartilhados por todos os elementos do grupo ou sociedade. Os valores comuns dão origem a sentimentos de solidariedade e unidade entre as pessoas, diminuindo os conflitos. A adesão a valores comuns é condição de participação em grupos e na sociedade (Silvestre & Moinhos, 2001, p. 114).

Na perspectiva de Durkheim será fácil convencer o homem são a aderir aos valores sociais recordando-lhe os serviços que a sociedade lhe presta, designadamente porque não conseguiria viver à margem de qualquer contacto humano.

NOTA:
Este post destina-se a ser utilizado como recurso no tema “Família”.

Das Representações Sociais aos Regimes de Justificação Novembro 2, 2011

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Aqui se recorda o papel das representações sociais como matéria-prima da Sociologia para que os estudantes tenham presente que conversação vulgar não é Sociologia, mas que cabe a esta desvendar as lógicas de argumentação explícitas nas justificações apresentadas.

O esquema sintetiza o objecto da Sociologia, as tarefas do sociólogo e o paradigma da Sociologia, conjuntamente com o número de casos analisados, as técnicas de recolha de dados, os métodos de investigação e os seus objectivos.

Apresentam-se ainda em síntese os regimes de justificação.

1. Verifique que o método dedutivo e método indutivo poderão ser considerados complementares.

2. Relacione o paradigma da Sociologia e as tarefas do sociólogo com o número de casos analisados.

Objecto da Sociologia Setembro 23, 2011

Posted by netodays in acção social, Durkheim, factos sociais, objectivo, Objecto, positivismo, regularidades sociais, singularidades, sociologia compreensiva, tipo ideal, Weber.
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O objecto da Sociologia confunde-se com o objecto do Programa da Disciplina apresentado no vídeo abaixo como conteúdo de um manual escolar.

Em Sociologia distinguem-se duas perspectivas: 1) o positivismo levado ao extremo por Durkheim quando tomando os factos sociais como coisas, julgou que as estruturas sociais eram tão poderosas que controlavam as acções dos indivíduos e podiam ser estudadas objectivamente, como nas ciências naturais; 2) a sociologia compreensiva ou interpretativa de Weber, que resulta do seu esforço para entender como as pessoas se comportavam e de que maneira o seu comportamento influenciava a sociedade e a estrutura social. Do seu ponto de vista só compreendendo as intenções, as ideias, os valores, as convicções que motivam as pessoas se pode, realmente, saber alguma coisa.

Todos os indivíduos bebem, dormem, comem, raciocinam, e a sociedade tem interesse em que essas funções se exerçam regularmente. Ora, se estes factos fossem sociais, a Sociologia não teria um objecto que lhe fosse próprio e o seu domínio confundir-se-ia com os da biologia e da psicologia (Durkheim).

Os factos sociais são o objecto de estudo da Sociologia, segundo Émile Durkheim. O autor indica que os factos sociais apresentam características muito especiais: “consistem em maneiras de agir, de pensar e sentir exteriores ao indivíduo, e dotadas de um poder coercitivo em virtude do qual se lhe impõem”. A coerção pode ser formal ou informal, consoante as sanções se encontrem ou não protegidas por regulamentos.

A pessoa que cumpre de bom grado e com satisfação as suas obrigações sociais não sente o peso da coerção sobre o seu comportamento. Uma pessoa que gosta da sua profissão, por exemplo, geralmente cumpre os seus deveres com prazer, sem a necessidade de imposições. Mas a coerção nunca deixa de existir. Está sempre à espreita.

Os factos sociais não são fixos. As maneiras como as sociedades resolvem os problemas evoluem, mais rapidamente ou mais lentamente. É sabido que observando sociedades que encontrem em diferentes espaços geográficos, depararemos com diferentes culturas, que resolverão os problemas de modo diverso, isto é, os factos sociais são relativos.

O objectivo de Durkheim consistia em estabelecer uma relação objectivável entre os factos, tratados como coisas, no intuito de descobrir regularidades sociais.

Para Max Weber a “Sociologia designará: uma ciência que pretende compreender, interpretando-a, a acção social, e deste modo, explicá-la casualmente no seu decurso e nos seus efeitos. Por “acção” deve entender-se um comportamento humano (quer consista num fazer externo ou interno, quer num omitir ou permitir), sempre que os agentes lhe associem um sentido subjectivo. Mas deve chamar-se acção “social” aquela em que o sentido intentado pelo agente ou pelos agentes está referido ao comportamento de outros e por ele se orienta no seu decurso”.

“A acção social (inclusive a omissão ou tolerância) pode orientar-se pelo comportamento passado, presente ou esperado como futuro dos outros (vingança por ataques prévios, defesa do ataque presente, regras de defesa contra ataques futuros). Os “outros” podem ser indivíduos e conhecidos ou indeterminadamente muitos e de todo desconhecidos (o “dinheiro”, por exemplo, significa que um bem de troca que o agente admite no tráfico porque orienta a sua acção pela expectativa de que muitos outros, mas desconhecidos e indeterminados, estarão também, por seu turno, dispostos a aceitá-lo numa troca futura)”.

O desenvolvimento do conceito de tipo ideal conduz Weber a obter as respostas do em termos de comportamentos médios (o consumidor tipo ideal será aquele que consome um cabaz de compras representativo da população, com os padrões de consumo “médios”). A característica principal do tipo ideal é não existir na realidade – como o consumidor médio -, mas servir de modelo para a análise de casos concretos, realmente existentes. No entanto, somente regularidades estatísticas que correspondem ao sentido intentado compreensível de uma acção social são tipos de acção susceptíveis de compreensão. Assim, concentrando-se na interpretação do sentido da acção social dos indivíduos, uma vez que o seu sentido intentado das acções determina os valores esperados em termos comportamentais, adquire agora interesse o estudo dos desvios observados, isto é, das singularidades.

1. Verifique que a atribuição de maior interesse às regularidades sociais ou às singularidades depende da perspectiva de análise.

2. Identifique o objecto de estudo da Sociologia.

3. Caracterize os factos sociais.

4. “Nem toda a classe de acção é acção social. O comportamento intimo só é acção social quando se orienta pelo comportamento dos outros. Também não o é, por exemplo, a conduta religiosa quando permanece contemplação, oração solitária, etc. A actividade económica (de um indivíduo) só o é na medida em que toma em consideração o comportamento de terceiros”.
Comente estes exemplos de Max Weber.

5. Que papel nos cabe a cada um na determinação do nosso próprio futuro?
Responda à questão acima distinguindo a perspectiva durkheimiana da perspectiva weberiana.

6. Partindo do vídeo, indique alguns temas que serão objecto de estudo em Sociologia.

  • Referências

DURKHEIM, Émile, (2004), As Regras do Método Sociológico, Editorial Presença, Barcarena.

WEBER, Max, (2000), Conceitos Sociológicos Fundamentais, Edições 70, Lisboa.

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Emile Durkheim 1858-1917 Agosto 24, 2011

Posted by netodays in anomia ideologia, Durkheim, factos sociais, objectividade, representações, suicídio.
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Durkheim considerava as ideias de Comte especulativas e vagas, justificando o seu insucesso. Segundo Durkheim, para se tornar científica, a Sociologia teria de estudar factos sociais, aspectos da vida social que moldam as nossas acções enquanto indivíduos, como por exemplo a situação económica e a religião. Durkheim acreditava que devemos estudar a vida social com a mesma objectividade com que os cientistas estudam o mundo natural. Daí o seu famoso princípio básico da Sociologia: “estudar os factos sociais como coisas”, desligados dos sujeitos conscientes que deles têm representações. Queria isso dizer que a vida social podia ser analisada com o rigor com que se analisam objectos ou fenómenos da natureza.

Entre os seus estudos mais famosos encontra-se a análise do suicídio, onde demonstrou que os factores sociais exercem uma influência determinante sobre o comportamento dos indivíduos. Caracterizou o suicídio egoísta, o suicídio anómico e o suicídio altruísta, deixando a tipologia em aberto para responder a outro género de causas.

Nasceu em Epinal, na Lorena (1958), de uma família rabínica hebraica. Frequentou em Paris, a partir de 1879, a Escola Normal Superior, onde teve como professores Fustel de Coulanges e Emile Boutroux, e entre os condiscípulos Bergson, Blondel e Jaures, que chegou mesmo a ser seu companheiro de pensão.

Influenciado por Comte, Spencer e Renouvier, estudou na Alemanha ciência positiva da moral (1885-86), tendo publicado no regresso alguns primeiros artigos na Revue Philosophique sobre a filosofia moral e as ciências sociais na Alemanha.

Em 1887 ocupa em Bordéus a cadeira de Pedagogia onde começa a reger os seus cursos de marcado pendor sociológico, e aí permanece durante 15 anos, vindo a apresentar como tese de doutoramento A divisão do trabalho social (1893) e como prova complementar A contribuição de Montesquieu para a constituição da ciência social. Funda a revista L’Année sociologique (1896), que se tornará no grande órgão de expressão da sua escola, onde se iniciarão muitos dos seus discípulos: Bouglé, Fauconnet, Marcel Mauss que mais tarde cuidarão da publicação das suas obras póstumas.

Transfere-se para Paris (1902), onde lhe é entregue a cátedra de Ciência da Educação da Sorbonne. Em 1906 é titular dessa cadeira que, em 1913, passa a chamar-se de Sociologia.

Mas em 1915 morre na guerra o seu único filho, na frente de Salónica. Entristecido e envelhecido prematuramente, vem a morrer em 1917.

Principais obras:
– Sobre a divisão do trabalho (1893):
– As regras do método sociológico (1895);
– O Suicídio;
– As formas elementares da vida religiosa (1912);
– A Alemanha acima de tudo: a mentalidade alemã e a guerra (1916);
– Educação e Sociologia (1922);
– Sociologia e Filosofia (1924);
– A educação moral (1925);
– O socialismo (1928);
– A evolução pedagógica em França (1938);
– Lições de Sociologia (1950);
– Montesquieu e Rousseau (1953);
– Pragmatismo e Sociologia (1955);
– Diário sociológico (1969);
– A ciência social e a acção (1970);
… e três volumes de Textos.

Citações
O homem não pode viver no meio das coisas sem fazer delas ideias segundo as quais regula o seu comportamento. Mas como essas noções estão mais próximas de nós e mais ao nosso alcance do que as realidades a que correspondem, tendemos naturalmente a substituí-las a estas últimas e a fazer delas a própria matéria das nossas especulações. Em vez de observar as coisas, de as descrever, de as comparar, contentamo-nos em tomar consciência das nossas ideias, em analisá-las, em combiná-las. Em vez de uma ciência de realidades, não fazemos senão uma mera análise ideológica.
Os factos sociais devem ser considerados como coisas.

Referências
CRUZ, M. Braga, (2001:299-300), Teorias Sociológicas – Os Fundadores e os Clássicos (Antologia de Textos), Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.
DURKHEIM, Émile, (2007), O Suicídio – Estudo Sociológico, Editorial Presença, Barcarena.
DURKHEIM, Emile, (1895), As Regras do Método Sociológico, Acedido em Agosto de 2011